sábado, 14 de abril de 2012

Polícia | 14/04/2012 16h18min Superlotado, o DML aumenta a dor das famíliasCâmara que deveria manter corpos refrigerados está abarrotada. Alguns estão se decompondo no necrotério. Local para 54 cadáveres tinha 80 na tarde de sexta


A família de Rogério Viegas, 43 anos, só soube da morte dele dez dias depois de ser encontrado o corpo, espancado e esfaqueado na Vila Jardim, Zona Norte da Capital. Chamadas ao Departamento Médico Legal (DML), irmãs e filhas viram, na quinta-feira, fotos do cadáver, até então, tratado como ignorado pelos órgãos de segurança.
Mas, quando tiveram acesso ao corpo, veio a perturbadora constatação: estava em avançado estado de decomposição, bem diferente das imagens registradas pelos peritos.
É o retrato da realidade vivida pelo DML. No local adequeado só cabem 54 corpos. Na tarde de sexta-feira, eram 80 no total. Uma semana atrás, eram 104. O excedente fica sob temperatura inapropriada.
Diretor admite problemas
A família que tratava dos detalhes para a liberação do corpo de Rogério - ou qualquer pessoa que chegasse na sexta ao DML, no Palácio da Polícia -, sentia, já da rua, o cheiro insuportável da decomposição dos corpos.
– A superlotação é uma realidade e, infelizmente, é impossível dar conta. O caso dessa família é extremo, não acontece todos os dias e eu lamento. Mas posso assegurar que estamos fazendo tudo o que está nos nossos limites para conservar os corpos - admitiu o diretor do DML, Sílvio Eugênio Gonçalves.
Sempre para a Capital
Não bastasse a demanda excessiva de Porto Alegre e Região Metropolitana, é para o DML que muitas outras cidades recorrem quando há superlotação também no Interior.
Há alguns dias, a câmara refrigerada de Osório teve um problema. Três corpos precisaram ser removidos rapidamente para a Capital.
– Tem dias que recebemos mais de 20 corpos, e é preciso achar espaço de qualquer jeito – desabafa o diretor.
Situações semelhantes seriam vividas nos necrotérios de Canoas e Novo Hamburgo, que completam os braços da Região Metropolitana na estrutura de necrotérios do Rio Grande do Sul. São 36 postos regionais.
O porquê da "fila dos mortos"
– Estrutura defasada – Em 2002, quando o governo estadual reconheceu a necessidade de reformas estruturais no necrotério, a capacidade na câmara refrigerada já era para 50 corpos. No ano passado, os novos equipamentos de refrigeração foram inaugurados, mas a capacidade ficou em 54 corpos. Existe projeto de construção da sede nova para o IGP, próximo da rodoviária, mas segue no papel.
– Vala comum – A função oficial do necrotério do DML é de receber vítimas de mortes violentas, que incluiriam homicídios, suicídios e acidentes. No entanto, 50% da capacidade é preenchida por vítimas de mortes consideradas naturais. Seria atribuição da Secretaria Estadual da Saúde a criação de um serviço de verificação de óbitos, jamais criado.
– Cemitérios – Depois de 30 dias no necrotério, corpos sem identificação, e mesmo os identificados não retirados pelas famílias, têm o sepultamento autorizado ao poder público. Mas, atualmente, são raras as vagas em cemitérios públicos ou particulares.
Irmã acha que houve negligência
Rogério Viegas levou uma vida errante em seus últimos anos. Aparecia nas casas de familiares e voltava a sumir nas ruas.
– Quando soubemos da morte, só pensamos em uma coisa: dar dignidade ao meu irmão, ao menos na morte – comentou Fernanda Rosa da Silva, 34 anos.
Antes de ir ao DML, na manhã de sexta, ela contatou uma funerária. Providenciou caixão que permitia ver o rosto de Rogério. Mas isso seria impossível diante da situação do cadáver.
– Já tinham bichos comendo meu irmão, como se tivessem largado o corpo ali e esquecido – disse.
Usuário de drogas e alcoólatra, desde fevereiro Rogério estava desaparecido. E, depois de morto, na madrugada de 2 de abril, poderia ter entrado para a lista de ignorados. Só dez dias depois da chegada do corpo os funcionários do DML acharam, na bermuda dele, um papel com o telefone de suas filhas. O DML promete investigar se houve negligência no caso.
Sem espaço para ampliar
Segundo Sílvio Gonçalves, a superlotação tornou-se crítica este ano.Uma reforma até modernizou o necrotério no ano passado. Há dez anos, a câmara refrigerada era para 50 corpos. Hoje, sob -18ºC, cabem 54, número ainda insuficiente.
Os demais corpos, como o de Rogério, acumulam-se na antecâmara, em uma temperatura média próxima a 0ºC. Nesse caso, a chance de decomposição (e contaminação) é muito maior.
Não há espaço físico na sede do departamento para qualquer ampliação. O problema só pode ser resolvido com a construção da nova sede do IGP, que, por enquanto, é só projeto dentro de uma gaveta.
Faltam lugares nos cemitérios
Para o DML, o principal problema são os corpos não identificados e os deixados pelas famílias. Após 30 dias, esses corpos deveriam ser encaminhados a um sepultamento público. Mas é difícil encontrar lugar em cemitérios.
Parte é levada ao cemitério público do Campo Santo, que está abarrotado. Recorre-se, então, a locais da Região Metropolitana. Dificilmente se consegue fazer mais de duas remoções para sepultamentos por dia.
Nova sede seria a solução
A assessoria de imprensa do IGP confirma que já houve casos em que um motorista do DML precisou retornar com o corpo que estava a caminho do Campo Santo, pois perdeu o lugar para um enterro de pessoa carente – caso que tem prioridade.
A alternativa cria mais um obstáculo burocrático para a fila de mortos. Buscam-se vagas em cemitérios particulares, por meio de licitação feita pelo IGP, com verba estadual.
Eduardo Torres / Diário Gaúcho

Um comentário:

  1. ate quando teremos que conviver com problemas em orgons públicos que deveriam servir para nos agudar nessas horas

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